Autor: Anne Marie Lucille[1]
Publicado: 02 de Agosto de 2024
O medo é o ápice do sentimento de insegurança, por isso mesmo, todos os meios capazes de nos conduzir até ele deverão ser evitados. Assim cuidamos de criar as muralhas físicas que nos protegem dos riscos externos, e também as muralhas internas, cuja função é nos resguardar das ameaças psicológicas criadas pelos nossos pensamentos. Sim, são nossos pensamentos os criadores e causadores das nossas ameaças internas e da maioria do nosso valioso acervo de psicopatologias.
Com tijolos e grades, aparentemente, somos capazes de nos abrigar das ameaças sociais. Já das internas, aquelas virtuais, aquele vasto repertório de sentimentos negativos criados pelo nosso pensar, fato que representa uma formidável força assediadora, destas ainda não sabemos como nos blindar, considerando que isso fosse possível. Muralhas construídas com as mais sólidas pedras e grades, do mais resistente aço, são proteções que, nesse caso, tornam-se sem efeito.
E há também as incertezas da vida, o resultado muitas vezes imprevisível das inúmeras variáveis e circunstâncias que regem nossa rotina diária. São os desdobramentos dos problemas causados por nós, ou aqueles que nos afetam de maneira indireta. Afinal de contas, tendemos naturalmente a nos identificar, inicialmente de modo involuntário, com os problemas que assediam nossos amigos ou entes queridos, e também aqueles do mundo lá fora.
Imagine se todos os nossos atos, aquilo que chamamos de boas ações, gestos filantrópicos ou benevolentes, fossem praticados com a certeza absoluta de que nenhuma compensação, reconhecimento ou mérito entraria em nossa caixinha de créditos futuros?
Imagine ainda se soubéssemos, com absoluta lucidez e segurança, sem que houvesse nenhum espaço para dúvidas, de que, jamais, em nenhum momento existencial ou pós-existencial, haveria ressarcimento por qualquer “boa ação” praticada em vida? Então, qual seria a qualidade dos nossos atos? Qual seria o nosso real sentimento e motivação para qualquer tipo de obra assistencial ou fraternal depois de constatado de maneira irrefutável esse fato?
Moldamos suas emoções. E a cada gesto e comportamento adequado, sempre há um incentivo como força motriz. Ocorre que esse tipo de comportamento já é uma parte integrante do nosso viver, por isso forjamos nossos filhos a nossa imagem e perfil psicológico. O resultado não poderia ser diferente. Incentivo ou mérito é a chave mestra que abre todas as portas, sejam em forma de recompensas concretas, ou simplesmente as promessas de fabulosos presentes espirituais.
Sendo assim, como podemos afirmar que há em nós um sentimento voluntário de complacência em relação aos nossos semelhantes; uma identificação autêntica com suas amarguras – por sinal, idênticas às nossas –, se temos no culto ao mérito a única força capaz de criar em nós motivação para realizar alguma obra? Haveria possibilidade de agirmos sem a sombra do mérito ou da compensação a nos fazer lastro?
Qual seria a qualidade de uma mente capaz de agir sem a lembrança de que uma compensação o aguarda num ponto temporal qualquer de sua existência, ou mesmo após ela? A plena convicção da ausência de uma recompensa ou reconhecimento por ação praticada tornaria o homem diferente daquilo que atualmente é? Qual seria então a sua fonte de inspiração motivacional; seu motivo existencial, a causa que tornaria alegre e compensador o seu viver?
Numa situação de tal natureza, não haveria espaço para crenças de espécie alguma, uma vez que todas elas estão centradas no eixo do “dar para receber”. Sem a expectativa do receber ao dar, qual seria a qualidade desse novo homem?
Imagine quais são causas de todos nossos conflitos, mágoas, ressentimentos, invejas, medos, senão o desejo de retribuição por ato praticado. Sou cortês porque também desejo que comigo assim o sejam. Não podemos negar que esta tem sido a regra geral praticada por todos os homens, de todas as nações, a qualquer tempo; eis um fato que não pode ser refutado.
Diante da certeza absoluta, incontestável e irrefutável da não retribuição, ressarcimento ou mérito por qualquer ato por nós praticado, ainda assim, de nossa parte, haveria ação solidária de alguma espécie? Somos capazes de imaginar, simular em nós mesmos um sentimento de tal magnitude?
Sem o sentimento da troca, sem desejo de gratidão ou reconhecimento meritório; sem promessa de inferno ou céu, poderia o homem viver sobre a terra em paz consigo mesmo e com todos os outros? Se isso fosse possível, qual seria a qualidade de sua mente, seus sentimentos, suas ações?
Nota de Copyright ©
Proibida a reprodução para fins comerciais sem a autorização expressa do autor ou site.
[1]
Anne Marie Lucille - annemarielucille@yahoo.com.br
Antropóloga e Pesquisadora na área da Psicopedagogia. Atua como consultora educacional especializada em Educação Integral e Consciencial.
A autora não possuei Website, Blog ou páginas pessoais em nenhuma Rede Social.
Mais artigos da autora em: https://www.sitededicas.com.br
Mundo Simples.
Email: contato@mundosimples.com.br